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24 de Abril de 2024
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    STJ determina demolição de hotel em terreno da marinha.

    RECURSO ESPECIAL Nº 769.753 - SC (2005/0112169-7)








































    RELATOR


    :


    MINISTRO HERMAN BENJAMIN


    RECORRENTE


    :


    UNIÃO


    RECORRENTE


    :


    MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


    RECORRENTE


    :


    MAURO ANTONIO MOLOSSI


    ADVOGADO


    :


    CÍCERO HARTMANN E OUTRO (S)


    RECORRIDO


    :


    OS MESMOS


    INTERES.


    :


    MUNICÍPIO DE PORTO BELO SC

    EMENTA

    PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇAO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE. ZONA COSTEIRA. LEI 7.661/1988. CONSTRUÇAO DE HOTEL EM ÁREA DE PROMONTÓRIO. NULIDADE DE AUTORIZAÇAO OU LICENÇA URBANÍSTICO-AMBIENTAL. OBRA POTENCIALMENTE CAUSADORA DE SIGNIFICATIVA DEGRADAÇAO DO MEIO AMBIENTE. ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL EPIA E RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL RIMA. COMPETÊNCIA PARA O LICENCIAMENTO URBANÍSTICO-AMBIENTAL. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR (ART. 4º, VII, PRIMEIRA PARTE, DA LEI 6.938/1981). RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 14, , DA LEI 6.938/1981). PRINCÍPIO DA MELHORIA DA QUALIDADE AMBIENTAL (ART. 2º, CAPUT , DA LEI 6.938/1981).

    1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta pela União com a finalidade de responsabilizar o Município de Porto Belo-SC e o particular ocupante de terreno de marinha e promontório, por construção irregular de hotel de três pavimentos com aproximadamente 32 apartamentos.

    2. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, deu provimento às Apelações da União e do Ministério Público Federal para julgar procedente a demanda, acolhendo os Embargos Infringentes, tão-só para eximir o proprietário dos custos com a demolição do estabelecimento.

    3. Incontroverso que o hotel, na Praia da Encantada, foi levantado em terreno de marinha e promontório, este último um acidente geográfico definido como "cabo formado por rochas ou penhascos altos" (Houaiss). Afirma a união que a edificação se encontra, após aterro ilegal da área, "rigorosamente dentro do mar", o que, à época da construção, inclusive interrompia a livre circulação e passagem de pessoas ao longo da praia.

    4. Nos exatos termos do acórdão da apelação (grifo no original): "O empreendimento em questão está localizado, segundo consta do próprio laudo pericial às fls. 381-386, em área chamada promontório . Esta área é considerada de preservação permanente, pela legislação do Estado de Santa Catarina por meio da Lei nº 5.793/80 e do Decreto nº 14.250/81, bem como pela legislação municipal (Lei Municipal nº 426/84)".

    5. Se o Tribunal de origem baseou-se em informações de fato e na prova técnica dos autos (fotografias e laudo pericial) para decidir a) pela caracterização da obra ou atividade em questão como potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente de modo a exigir o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (Epia) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) e b) pela natureza non aedificandi da área em que se encontra o hotel (fazendo-o também com fulcro em norma municipal, art. 9º, item 7, da Lei 426/1984, que a classifica como"Zona de Preservação Permanente", e em legislação estadual, Lei 5.793/1980 e Decreto 14.250/1981), interditado está ao Superior Tribunal de Justiça rever tais conclusões, por óbice das Súmulas 7/STJ e 280/STF.

    6. É inválida, ex tunc , por nulidade absoluta decorrente de vício congênito, a autorização ou licença urbanístico-ambiental que ignore ou descumpra as exigências estabelecidas por lei e atos normativos federais, estaduais e municipais, não produzindo os efeitos que lhe são ordinariamente próprios ( quod nullum est, nullum producit effectum ), nem admitindo confirmação ou convalidação.

    7. A Lei 7.661/1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, previu, entre as medidas de conservação e proteção dos bens de que cuida, a elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental Epia acompanhado de seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental Rima.

    8. Mister não confundir prescrições técnicas e condicionantes que integram a licença urbanístico-ambiental (= o posterius ) com o próprio Epia/Rima (= o prius ), porquanto este deve, necessariamente, anteceder aquela, sendo proibido, diante da imprescindibilidade de motivação jurídico-científica de sua dispensa, afastá-lo de forma implícita, tácita ou simplista, vedação que se justifica tanto para assegurar a plena informação dos interessados, inclusive da comunidade, como para facilitar o controle administrativo e judicial da decisão em si mesma.

    9. Indubitável que seria, no plano administrativo, um despropósito prescrever que a União licencie todo e qualquer empreendimento ou atividade na Zona Costeira nacional. Incontestável também que ao órgão ambiental estadual e municipal falta competência para, de maneira solitária e egoísta, exercer uma prerrogativa universal e absoluta de licenciamento ambiental no litoral, negando relevância, na fixação do seu poder de polícia licenciador, à dominialidade e peculiaridades do sítio (como áreas representativas e ameaçadas dos ecossistemas da Zona Costeira, existência de espécies migratórias em risco de extinção, terrenos de marinha, manguezais), da obra e da extensão dos impactos em questão, transformando em um nada fático-jurídico eventual interesse concreto manifestado pelo Ibama e outros órgãos federais envolvidos (Secretaria do Patrimônio da União, p. ex.).

    10. O Decreto Federal 5.300/2004, que regulamenta a Lei 7.661/1988, adota como "princípios fundamentais da gestão da Zona Costeira" a "cooperação entre as esferas de governo" (por meio de convênios e consórcios entre União, Estados e Municípios, cada vez mais comuns e indispensáveis no campo do licenciamento ambiental), bem como a "precaução" (art. 5º, incisos XI e X, respectivamente). Essa postura precautória, todavia, acaba esvaziada, sem dúvida, quando, na apreciação judicial posterior, nada mais que o fato consumado da degradação ambiental é tudo o que sobra para examinar, justamente por carência de diálogo e colaboração entre os órgãos ambientais e pela visão monopolista-exclusivista, territorialista mesmo, da competência de licenciamento.

    11. Pacífica a jurisprudência do STJ de que, nos termos do art. 14, , da Lei 6.938/1981, o degradador, em decorrência do princípio do poluidor-pagador , previsto no art. , VII (primeira parte), do mesmo estatuto, é obrigado, independentemente da existência de culpa, a reparar por óbvio que às suas expensas todos os danos que cause ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade, sendo prescindível perquirir acerca do elemento subjetivo, o que, conseqüentemente, torna irrelevante eventual boa ou má-fé para fins de acertamento da natureza, conteúdo e extensão dos deveres de restauração do status quo ante ecológico e de indenização.

    12. Ante o princípio da melhoria da qualidade ambiental , adotado no Direito brasileiro (art. 2º, caput , da Lei 6.938/81), inconcebível a proposição de que, se um imóvel, rural ou urbano, encontra-se em região já ecologicamente deteriorada ou comprometida por ação ou omissão de terceiros, dispensável ficaria sua preservação e conservação futuras (e, com maior ênfase, eventual restauração ou recuperação). Tal tese equivaleria, indiretamente, a criar um absurdo cânone de isonomia aplicável a pretenso direito de poluir e degradar: se outros, impunemente, contaminaram, destruíram, ou desmataram o meio ambiente protegido, que a prerrogativa valha para todos e a todos beneficie.

    13. Não se pode deixar de registrar, em obiter dictum , que causa no mínimo perplexidade o fato de que, segundo consta do aresto recorrido, o Secretário de Planejamento Municipal e Urbanismo, Carlos Alberto Brito Loureiro, a quem coube assinar o Alvará de construção, é o próprio engenheiro responsável pela obra do hotel.

    14. Recurso Especial de Mauro Antônio Molossi não provido. Recursos Especiais da União e do Ministério Público Federal providos.

    ACÓRDAO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso do particular e deu provimento aos recursos da União e Ministério Público Federal, nos termos do voto do (a) Sr (a). Ministro (a)-Relator (a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília, 08 de setembro de 2009 (data do julgamento).

    MINISTRO HERMAN BENJAMIN

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 769.753 - SC (2005/0112169-7)








































    RELATOR


    :


    MINISTRO HERMAN BENJAMIN


    RECORRENTE


    :


    UNIÃO


    RECORRENTE


    :


    MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


    RECORRENTE


    :


    MAURO ANTONIO MOLOSSI


    ADVOGADO


    :


    CÍCERO HARTMANN E OUTRO (S)


    RECORRIDO


    :


    OS MESMOS


    INTERES.


    :


    MUNICÍPIO DE PORTO BELO SC

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recursos Especiais interpostos, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição da República, contra acórdão, proferido por maioria, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado:

    ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇAO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELA UNIÃO. CONSTRUÇAO DE HOTEL. MUNICÍPIO DE PORTO BELO. ZONA DE PROMONTÓRIO. ÁREA DE PRESERVAÇAO PERMANENTE. NON AEDIFICANDI . LICENÇA NULA. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇAO AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE AVALIAÇAO AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA PREVENÇAO. DESFAZIMENTO DA OBRA.

    1. O empreendimento está localizado em área de promontório, considerada de preservação permanente pela legislação estadual (Lei nº 5.793/80 e Decreto nº 14.250/81) e pela legislação municipal (Lei Municipal nº 426/84), e, por conseqüência, área non aedificandi , razão pela qual a licença concedida pela FATMA é nula, visto que não respeitou critério fundamental, a localização do empreendimento.

    2. A FATMA não possuía competência para autorizar construção situada em terreno de marinha, Zona Costeira, esta considerada como patrimônio nacional pela Carta Magna, visto tratar-se de bem da União, configurando interesse nacional, ultrapassando a competência do órgão estadual.

    3. Ante ao princípio da prevenção, torna-se imperiosa a adoção de alguma espécie de avaliação prévia ambiental.

    4. Os interesses econômicos de uma determinada região devem estar alinhados ao respeito à natureza e aos ecossistemas, pois o que se busca é um desenvolvimento econômico vinculado ao equilíbrio ecológico.

    5. Um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado representa um bem e interesse transindividual, garantido constitucionalmente a todos, estando acima de interesses privados.

    6. Apelos providos (fl. 392).

    Os Embargos Infringentes foram acolhidos em aresto que recebeu a seguinte ementa:

    EMBARGOS INFRINGENTES. ADMINISTRATIVO. AÇAO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇAO DE HOTEL. PROMONTÓRIO. ÁREA DE PRESERVAÇAO PERMANENTE. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL. IMPRESCINDIBILIDADE. DEMOLIÇAO DA OBRA. LICENÇAS INDEVIDAS. BOA-FÉ.

    A necessidade do estudo de impacto ambiental não é dispensável, ao revés, sua imprescindibilidade é marcante. Na hipótese, evidente a precariedade das licenças concedidas, diante da necessidade do estudo prévio de impacto ambiental na área em questão.

    O fato de que dispensado tal estudo em razão de que implantada grama na área aplainada de solo argilo-arenoso, descaracterizada a vegetação remanescente por ocupações anteriores, bem como porque na frente do terreno foi construído aterro hidráulico por obra do Poder Público, além da estrada que liga Porto Belo a Bombinhas, não afastam a necessidade de tal estudo e nem tampouco motivam a dispensa efetivada pela FATMA.

    O ora embargante procedeu ao início das obras amparado em licenças fornecidas por órgão estadual e municipal, firme e convicto na legalidade e na veracidade de tais documentos públicos; dispendeu recursos financeiros e esforços no sentido de concretizar empreendimento hoteleiro de sua titularidade, agindo de boa-fé, descabido, pois, que, julgada indevida a licença, arque com custos inerentes à demolição daquilo que construído, repito, após a obtenção das autorizações havidas à época pertinentes e suficientes.

    Embargos parcialmente providos (fl. 780).

    Os Embargos de Declaração foram rejeitados. Confira-se a ementa do julgado:

    EMBARGOS DE DECLARAÇAO. OMISSAO. CONTRADIÇAO. PREQUESTIONAMENTO.

    O recurso de embargos de declaração não se presta a rediscutir o mérito da causa; ele é destinado a complementar o julgado quando da existência de obscuridade, omissão ou contradição; inexistentes tais hipóteses, deve o mesmo ser rejeitado.

    Para fins de prequestionamento, importante é que o aresto adote entendimento explícito sobre a questão, sendo desnecessária a individualização numérica dos artigos em que se funda o decisório.

    (fl. 810)

    Mauro Antonio Molossi, em seu Recurso Especial, aponta ofensa ao art. 2ºº da Lei4.7711/1976; aos arts. e da Lei 7.661/1988; e ao art. 10 da Lei 6.938/1981. Sustenta, em resumo, que:

    a) "apresentou de forma sistemática a legislação aplicável à hipótese dos autos, para concluir que a área, em exame, é passível de edificação, não se caracterizando, portanto, como área não edificável" (fl. 820);

    b) obedeceu-se ao Plano de Gerenciamento Costeiro, que outorga competência aos Estados e Municípios para legislarem sobre áreas costeiras;

    c) "ao determinar a implantação de um sistema de tratamento de esgotos, de um sistema de coleta e disposição final adequada dos resíduos sólidos, bem como que o empreendimento garantisse o livre acesso ao povo em qualquer direção e sentido na orla marítima, órgão ambiental, atentando para o princípio da razoabilidade, estabeleceu previamente todos os requisitos para a prática da atividade licenciada, com o objetivo único de impedir a degradação ambiental" (fl. 834);

    d) "a dispensa do estudo de impacto ambiental e do respectivo relatório de impacto ambiental foi feita de forma implícita, mas devidamente motivada" (fl. 835);

    e) as exigências técnicas estabelecidas pelo órgão ambiental servem ao propósito do Rima;

    f) "não resta a menor dúvida que a adequada análise efetuada pelo órgão ambiental vai ao encontro de todos os princípios formadores dos dispositivos legais de natureza ambiental previstos no ordenamento jurídico, razão pela qual concluiu que a obra e a atividade não são potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente" (fl. 835);

    g) "a legislação federal não exige a realização de estudo de impacto ambiental para todas as obras e atividades, mas sim somente para as que são causadoras de significativo impacto ambiental, e ainda a critério do órgão ambiental em alguns casos (...) tanto isso é verdade que, repita-se, à frente do terreno foi construído um ATERRO HIDRÁULICO e atrás foi construída a ESTRADA que liga Porto Belo a Bombinhas, por conta do Poder Público" (grifos no original);

    h) "o órgão de controle mantém certa dose de liberdade para avaliar dito pressuposto do EIA/RIMA, vale dizer, o significativo impacto ambiental. Evidenciada, porém por regular prova técnica, a insignificância do impacto, inviabilizada está a exigência do estudo";

    i)"restou comprovado que a obra e a atividade não ocasionam significativo impacto ambiental, razão pela qual prescindem de estudo prévio de impacto ambiental, o que remete à conclusão de que o órgão estadual é o competente para licenciá-las" (fl. 838).

    Requer o provimento para:

    a) anular o aresto proferido nos Embargos de Declaração;

    b) restabelecer a sentença e para "que haja pronunciamento expresso acerca da possibilidade de edificação na área objeto do litígio";

    c) "convalidar as licenças concedidas pelo órgão ambiental estadual e pela municipalidade de Porto Belo, para que as mesmas produzam todos os efeitos administrativos" (fl. 877);

    d) "não sendo esse o entendimento, requer lhe seja assegurado o direito à realização do relatório de impacto ambiental de acordo com a legislação competente, bem como o direito de obter as demais licenças necessárias à obra e à atividade" (fl. 878).

    O Ministério Público Federal recorre adesivamente, sob o fundamento de que não foi observado o art. 14, , da Lei 6.938/1981. Afirma que "a ausência de culpa não deve afastar a aplicação da responsabilidade, que de qualquer modo deve recair sobre o causador do dano o agente agressor , ainda que se possa responsabilizar solidariamente o Estado pela conduta que permitiu a ação ilícita" (fl. 887). Pleiteia o provimento do recurso a fim de ser julgada procedente a Ação Civil Pública, "determinando que os réus Mauro Antônio Molossi e Município de Porto Belo promovam a remoção das edificações descritas na inicial e condenando-os solidariamente, à remoção dos resíduos e à recuperação do dano ambiental" (fl. 888).

    A União também apresenta Recurso Especial, apontando ofensa ao art. 14 da Lei 6.938/1981, sob a alegação de que, "além de observar que, além de haver expressa previsão normativa sobre a responsabilidade pelos danos ambientais, afigura-se temerário liberar o poluidor com base na alegação de uma possível boa-fé em face de licenças indevidas de Órgãos Públicos, uma vez que isso pode se tornar um mal exemplo a outros empreendedores, que sob o pálio da boa-fé possam eximir-se da sua co-responsabilidade social de preservação ao meio ambiente entre outras, pois o verdadeiro Estado Social e Democrático de Direito somente será alcançado em nosso País, quando TODOS, fizerem a sua parte, ou seja a sociedade como um todo deverá integrar esse movimento horizontal de socialização em busca do BEM COMUM" (fl. 914, grifos no original).

    Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal, na função de custos legis , opinou pelo não-conhecimento do recurso da União e pelo não-provimento dos Recursos Especiais do MPF e de Mauro Antonio Molossi.

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 769.753 - SC (2005/0112169-7)

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta pela União com a finalidade de responsabilizar o Município de Porto Belo, Estado de Santa Catarina, e o ocupante de terreno de marinha e promontório, por construção irregular de hotel de três pavimentos com aproximadamente 32 (trinta e dois) apartamentos. Tem-se por objetivo: a) anular a licença municipal de construção; e b) determinar a demolição da obra, ante a lesividade ao patrimônio público federal e ao meio ambiente

    O Juízo monocrático julgou improcedente a demanda. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou a sentença sob a seguinte fundamentação:

    a) "o empreendimento está localizado em área de promontório, considerada de preservação permanente pela legislação estadual (Lei nº 5.793/80 e Decreto nº 14.250/81) e pela legislação municipal (Lei Municipal nº 426/84), e, por conseqüência, área non aedificandi , razão pela qual a licença concedida pela FATMA é nula, visto que não respeitou critério fundamental, a localização do empreendimento";

    b) a Fatma não possuía competência para autorizar construção situada em terreno de marinha, Zona Costeira, esta considerada patrimônio nacional pela Carta Magna, visto tratar-se de bem da União, configurando interesse nacional e ultrapassando a competência do órgão estadual;

    c) ante o princípio da prevenção , torna-se imperiosa a adoção de alguma avaliação prévia ambiental;

    d) os interesses econômicos de determinada região devem estar alinhados ao respeito à natureza e aos ecossistemas, pois o que se busca é o desenvolvimento econômico vinculado ao equilíbrio ecológico;

    e) o meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado representa um bem e interesse transindividual, garantido constitucionalmente a todos, estando acima de interesses privados.

    Os Embargos Infringentes opostos foram acolhidos somente para, considerando a boa-fé daquele que construiu a obra com base em documentação emitida pelo órgão ambiental local, eximir o proprietário dos custos com a demolição.

    Passo ao exame dos apelos separadamente, afastando, desde logo, os vícios apontados na forma do art. 535 do Código de Processo Civil (eventual omissão, sobretudo). O acórdão recorrido, como veremos abaixo, é minucioso na análise das teses jurídicas que interessam ao deslinde da demanda, incorporando, expressamente, os argumentos que constam da manifestação do Tribunal, quando do julgamento da Apelação. Inexistiu, pois, "negativa de prestação jurisdicional".

    Saliento os exatos termos do acórdão da Apelação, referendados nos Embargos Infringentes (grifo no original): "O empreendimento em questão está localizado, segundo consta do próprio laudo pericial às fls. 381-386, em área chamada promontório . Esta área é considerada de preservação permanente, pela legislação do Estado de Santa Catarina por meio da Lei nº 5.793/80 e do Decreto nº 14.250/81, bem como pela legislação municipal (Lei Municipal nº 426/84)".

    Ora, se o Tribunal de origem baseou-se em informações de fato e na prova técnica dos autos (fotografias e laudo pericial) para decidir a) pela caracterização da obra ou atividade em questão como potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente de modo a exigir o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (Epia) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) e b) pela natureza non aedificandi da área em que se encontra o hotel (fazendo-o também com fulcro em norma municipal, art. 9º, item 7, da Lei 426/1984, que a classifica como"Zona de Preservação Permanente", e em legislação estadual, Lei 5.793/1980 e Decreto 14.250/1981), interditado está ao Superior Tribunal de Justiça rever tais conclusões, por óbice das Súmulas 7/STJ e 280/STF.

    Mesmo que não fosse assim, melhor sorte não teria Mauro Antônio Molossi, conforme se verá em seguida.

    1. Recurso Especial de Mauro Antônio Molossi

    Os principais argumentos expostos no apelo são: a) "a dispensa do estudo de impacto ambiental e do respectivo relatório de impacto ambiental foi feita de forma implícita, mas devidamente motivada"; e b) "restou comprovado que a obra e a atividade não ocasionam significativo impacto ambiental, razão pela qual prescindem de estudo prévio de impacto ambiental, o que remete à conclusão de que o órgão estadual é o competente para licenciá-las" (fl. 838).

    O Tribunal de origem consignou (grifei):

    A área objeto do litígio, ao contrário do entendimento esposado na sentença recorrida, a meu ver, detém a qualidade de promontório , que pode ser conceituado como "cabo formado de rochas elevadas ou alcantis" ( apud "Minidicionário Aurélio", p. 387) Fundamento tal convicção nas fotografias acostadas aos autos às fls. 238 e 244 e nas informações trazidas pelo laudo pericial às fls. 381 :

    "A construção do Hotel Pousada foi feita sobre um promontório, componente da geografia natural daquele lugar, cujo litoral é entrecortado por baias e outras pontas que avançam ao mar"

    A Fatma, órgão ambiental da esfera estadual do Governo de Santa Catarina, emitiu duas licenças para a obra do Hotel: Licença Ambiental Prévia LAP; e Licença Ambiental de Instalação LAI.

    Confira-se o conceito das licenças concedidas (www.fatma.sc.gov.br), segundo a própria Fundação (grifei):

    Licença Ambiental Prévia - LAP - É uma espécie de consulta de viabilidade, em que o empreendedor da obra pergunta à FATMA se é possível construir aquele tipo de obra num determinado local . A FATMA vai consultar as legislações ambientais em vigor, federal e estadual, e, com base nessas normas, vai responder se o empreendimento é viável ou não. E, se for, com que condições legais. A LAP não autoriza a construção da obra, apenas atesta sua viabilidade naquele local.

    Licença Ambiental de Instalação - LAI - Depois de ter a LAP aprovada, o empreendedor precisa apresentar à Fatma o projeto físico e operacional da obra, em todos os seus detalhes de engenharia, já demonstrando de que forma vai atender às condições e restrições impostas pela LAP. Só com a LAI expedida é que se pode começar as obras.

    O órgão local de fiscalização estadual, dessa maneira, está obrigado, ao conceder a licença, a atentar para a) a localização da obra; e b) a competência administrativa para o licenciamento ambiental.

    Diga-se, inicialmente, que é inválida, ex tunc , por nulidade absoluta decorrente de vício congênito, a autorização ou licença urbanístico-ambiental que ignore ou descumpra as exigências estabelecidas por lei e atos normativos federais, estaduais e municipais, não produzindo os efeitos que lhe são ordinariamente próprios ( quod nullum est, nullum producit effectum ), nem admitindo confirmação ou convalidação.

    Incontroverso que o hotel, na Praia da Encantada, foi levantado em terreno de marinha e promontório, este último um acidente geográfico definido como "cabo formado por rochas ou penhascos altos" (Houaiss). A edificação, segundo a União, encontra-se, após aterro ilegal da área, "rigorosamente dentro do mar", o que, à época da construção, inclusive interrompia a livre circulação e passagem de pessoas ao longo da praia.

    O Decreto Estadual 14.250/1981, utilizado na fundamentação do acórdão recorrido, inclui, entre os bens considerados "áreas de proteção especial", o "promontório" (art. 42, II), definindo-o como "a elevação costeira florestada ou não que compõe a paisagem litorânea do continente ou de ilhas" (art. 43, III). Acrescenta que, nos promontórios, numa faixa de até 2.000 (dois mil) metros de extensão, a partir da ponta mais avançada, são proibidas atividades que degradem os recursos naturais e a paisagem (art. 47, II), bem como "a edificação de prédios ou construções de qualquer natureza" (art. 47, III), admitindo-se, somente nesta última hipótese, o deferimento de licença, desde que com autorização do Município e, "quando for o caso, pelos órgãos federais competentes" (art. 47, parágrafo único, grifei).

    Pois bem, era exatamente esse o caso dos autos, segundo o acórdão recorrido: autorização "pelos órgãos federais competentes", que não foram sequer ouvidos, quando seria de rigor. Daí a Ação Civil Pública ajuizada pela União. Como se sabe, a Constituição Federal considerou "bens da União", nos termos do art. 20, VII, "os terrenos de marinha e seus acrescidos". Além disso, atribuiu à "Zona Costeira" a qualidade de "patrimônio nacional" (art. 225, 4º). Ora, isso quer dizer que o Ibama, mesmo sem se transformar em órgão de licenciamento de quiosques de praia por este País afora, pode e deve ser ouvido na análise de empreendimentos que, seja pelo seu porte, seja pela sua localização em acidentes geográficos típicos da costa, apresentam peculiaridades que os afastam da vala comum. Foi exatamente essa a conclusão a que chegou o Tribunal de origem e contra a qual não pode o STJ se debruçar em profundidade, até porque a decisão recorrida se encontra, em vários de seus pilares, fundamentada na legislação local , repita-se.

    Em outras palavras, indubitável que seria, no plano administrativo, um despropósito prescrever que a União licencie todo e qualquer empreendimento ou atividade na Zona Costeira nacional. Incontestável também que ao órgão ambiental estadual e municipal falta competência para, de maneira solitária e egoísta, exercer uma prerrogativa universal e a

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