Veta, Dilma!
O direito ambiental é um poderoso instrumento de resistência. E de legitimação. A bem da verdade, todos (ou quase todos) os ramos do direito apresentam essa dupla face. A liberdade de imprensa, por exemplo, é indispensável para formação da opinião pública e para saúde da democracia, mas pode servir para induzir erros de avaliação e destruir reputações. A serviço de interesses nem um pouco republicanos.
A própria institucionalidade do direito serve às duas senhoras. É, por meio do processo legislativo e judiciário, que o direito atua, em tese, cumprindo a exigência do pluralismo. No caso legislativo, todas as vozes são ouvidas e levadas em consideração. No âmbito judicial, o pluralismo se contenta com a ampla defesa e o contraditório, submetidos a uma autoridade imparcial.
Na prática, faltam ouvidos, bocas e consciência cívica de um lado, enquanto, de outro, o contraditório é contradito por defesas assimétricas e imparcialidades duvidosas. Em boa parte, é assim que as coisas funcionam. Nem tudo está perdido, no entanto, pois há espaços para resistência mesmo num ambiente de pura legitimação do status quo.
O nosso Código Florestal é um grande exemplo dessa ambiguidade. Nascido no regime militar, ele dormiu, feito Cinderela, em seu leito de letras generosas à realidade insensível, enquanto nossos governantes batiam, orgulhosos, no peito estrelado. Gabavam-se de ter a legislação ambiental mais avançada do mundo.
Era mera legitimação. A sociedade civil, alguns órgãos públicos ambientais (principalmente seu corpo técnico) e o ministério público, no final dos anos oitenta em diante, abriram o casulo da resistência.
A reação do status quo se fez, a partir da década seguinte, no sentido de neutralizar a metamorfose. Diversos órgãos ambientais foram sucateados (o IBAMA é um grande e triste emblema disso), leis do processo coletivo foram dificultadas e o ministério público vive sob ameaça de redução dos poderes.
As mais novas mudanças no Código, para atender a reivindicações dos ruralistas, são mais uma dessas investidas. E não serão as últimas. É preciso resistir. Mas a resistência requer mobilização política e jurídica, como o "Veta, Dilma".
É, todavia, pouco diante da força de legitimação e do status quo. Se não houver organização e luta, a Cinderela pode ser acordada não pelo beijo de um príncipe, mas pelo barulho das motosserras. E faltarão borboletas para florear os nossos jardins. Invisíveis ou de pedras e gás carbônico.
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.